STJ fixa critérios para suspender passaportes, CNH e cartões na execução
Fonte: Migalhas quentes
A 2ª seção do STJ fixou, por unanimidade, que juízes podem aplicar medidas
executivas atípicas, como suspensão de passaporte, CNH e bloqueio de cartões,
desde que esgotados os meios tradicionais de execução e observados
contraditório, proporcionalidade e fundamentação específica.
A tese foi firmada no Tema 1.137, a partir do voto do relator, ministro Marco
Buzzi, que reconheceu a validade dessas ferramentas como expressão do poder
geral de efetivação previsto no CPC.
Veja a tese fixada:
"Nas execuções civis submetidas exclusivamente ao código de Código de Processo Civil, a
adoção judicial de meios executivos atípicas é cabível, desde que, cumulativamente, sejam
ponderados os princípios da efetividade e da menor onerosidade do executado, seja realizada
de modo prioritariamente subsidiário, a decisão contém a fundamentação adequada às
especificidades do caso, sejam observados os princípios do contraditório, da proporcionalidade
e da razoabilidade, inclusive quanto à sua vigência temporal."
Histórico
O caso chegou ao STJ por meio de dois recursos repetitivos. Em um deles, um
banco recorreu contra acórdão do TJ/SP que barrou a suspensão do passaporte
e da carteira de habilitação de um devedor em execução, entendendo que tais
medidas violariam proporcionalidade e razoabilidade.
O tribunal paulista só admitiu o bloqueio de cartões de crédito, desde que não
relacionados à compra de alimentos.
Amicie curiae
A advogada Clarice Frechiani Lara Leite, falando como amicus curiae pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual, alertou para o risco de o STJ fixar
uma tese demasiadamente ampla sobre medidas executivas atípicas a partir de
casos com quadro fático limitado. Destacou que os pedidos analisados, como
apreensão de passaporte, CNH e bloqueio de cartões, não trazem demonstração
de ocultação patrimonial nem justificativa concreta que relacione a medida ao
comportamento do devedor.
Defendeu que a aplicação dessas medidas exige contraditório real,
proporcionalidade e fundamentação específica, além de prazo definido para
evitar restrições indefinidas. Concluiu ressaltando que o precedente deve
permitir desenvolvimento futuro da matéria e não engessar a análise casuística
necessária.
Falando pela Febraban como amicus curiae, Anselmo Moreira Gonzalez
defendeu a constitucionalidade das medidas executivas atípicas do art. 139, IV,
do CPC, afirmando que são instrumentos legítimos para garantir a efetividade
da execução quando os meios tradicionais falham. Ressaltou que tais medidas
devem observar contraditório, proporcionalidade e caráter subsidiário.
O advogado destacou que o debate não trata da validade das garantias
fundamentais, mas da eficácia do Processo Civil, e citou entendimento
consolidado do STJ reconhecendo a possibilidade dessas medidas. Concluiu
que o fortalecimento da execução é compatível com o Estado Democrático de
Direito e com a própria jurisprudência do STF.
Por fim, a advogada Ana Carolina Andrada Arraias Caputo Bastos, pelo FPPC
- Fórum Permanente de Processualistas Civis, afirmou que as medidas
executivas atípicas são legítimas e essenciais para garantir a efetividade das
decisões quando o devedor, de forma deliberada, impede o cumprimento da
sentença.
Destacou que os enunciados do FPPC reconhecem sua aplicação subsidiária,
desde que respeitados proporcionalidade, razoabilidade e contraditório, e que o
juiz pode adotá-las de ofício para assegurar a autoridade da Justiça.
Voto do relator
O ministro Marco Buzzi, relator, votou pelo reconhecimento da possibilidade
de uso de medidas executivas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC, desde
que aplicadas de forma excepcional.
Para ele, o CPC conferiu ao Judiciário um poder geral de efetivação que autoriza
mecanismos como suspensão de CNH, passaporte ou cartões de crédito,
sobretudo diante da crônica inefetividade das execuções.
O relator ressaltou, porém, que tais medidas devem observar requisitos
cumulativos: esgotamento prévio dos meios típicos de cobrança ou resistência
injustificada ao cumprimento da obrigação, fundamentação específica e respeito
à proporcionalidade e ao contraditório. Buzzi frisou que tais atos não violam o
direito de locomoção, desde que não impeçam a circulação física do devedor.
Nos casos concreto, Buzzi entendeu que o acórdão estadual utilizou
fundamentação abstrata que, na prática, inviabilizaria o próprio instituto
previsto no CPC.
Diante da impossibilidade de reavaliar provas, o ministro deu parcial
provimento ao recurso para cassar o acórdão e determinar que o Tribunal
paulista julgue novamente o agravo, agora à luz dos parâmetros definidos pelo
STJ.
No REsp 1.955.539, manteve a medida já concedida na origem, bloqueio de
cartões de crédito, exceto os usados para compra de alimentos, porque não
houve recurso do devedor, evitando reformatio in pejus.
Divergência?
No momento de fixação da tese, formou-se discussão específica sobre o
requisito "existam indícios de patrimônio expropriável do devedor", inicialmente
proposto pelo relator mas retirado após proposta da ministra Nancy Andrighi.
A ministra Isabel Gallotti foi a única a defender a manutenção expressa desse
trecho, por entender que a exigência funciona como salvaguarda indispensável
para evitar que medidas restritivas recaiam sobre quem não tem condições reais
de cumprir a obrigação, preservando o caráter coercitivo, e não punitivo, do
instituto.
Buzzi e Raul Araújo, porém, afirmaram que esse requisito poderia limitar
indevidamente a eficácia das medidas, sobretudo em situações em que o
devedor oculta bens ou adota condutas que esvaziam a execução. Para esses
ministros, o CPC autoriza o juiz a buscar a efetividade do processo mesmo
quando não há, de início, sinais concretos de patrimônio disponível.
Com isso, Isabel Gallotti restou vencida nesse ponto, e a tese final foi aprovada
sem a obrigatoriedade de indícios prévios de bens expropriáveis, enfatizando,
em contrapartida, a necessidade de observância cumulativa da subsidiariedade,
proporcionalidade, razoabilidade, fundamentação adequada e contraditório.
· Processos: REsp 1.955.539 e REsp 1.955.574